A cidade é um sítio arqueológico. São várias camadas do tempo incrustadas na paisagem urbana. Várias camadas de tinta nas paredes das casas, várias construções uma sobre outras e alguns lugares que são verdadeiras relíquias. O “ferro velho” (depósito de ferragens produto do desmonte de máquinas) é local privilegiado da história.
Detalhe de camionete Chevrollet 'anos 50' em ferro velho de Marília, 2010 (Nikon D70)
Notei em um ‘ferro velho’, em meio aos restos do passado, que as memórias brotam dos pedaços esquecidos pelo “progresso da sociedade”. A história quase sempre é ingrata. Ônibus, caminhões e tratores, úteis em momentos do ontem, que embalaram sonhos de vida, realizações da economia, pequenas histórias familiares e grandes momentos do país, se transformaram em ferros retorcidos, oxidados e desfigurados em meio ao mato e ao desmonte para o mercado de peças usadas.
Detalhe de caminhão da Ford "anos 50"
em ferro velho de Marília, 2010 (Nikon D70)
O Brasil há uns 50 anos era embalado pelo governo JK (‘que substituiu o burro pelo jeep’), pelos anos dourados do automobilismo em nosso país. Os motores transportavam de tudo e todos em novas estradas de rodagem para a realização dos “50 anos em 5” . Ao lado da recém construída Brasília, a pequena Marília (interior de SP) também ‘progredia’ sobre as carrocerias dos Fords e Chevrollets do Brasil. Minha cidade, agro-industrial por “vocação”, crescia com os tratores nas plantações de amendoin, café e algodão. Marília chegou a ser a maior produtora de café, amendoim e algodão de São Paulo nos anos 50.
Trator da Ford 1955, há anos parado e oxidadando em ferro velho de Marília, 2010 (Nikon D70)
Na década de 50, o ônibus que levava as pessoas à Rosália (cidade aqui perto) era símbolo do sucesso da era do automóvel no Brasil. A carroceria era fabricada em Marília e, com um chassi da Mercedes Bens, era ícone do progresso. Esse ônibus servia a Viação Brambilla, nascida aqui e que hoje não existe mais. O Mercedez “cara chata” fez milhares de viagens na estrada asfaltada (novidade) entre essas duas cidades, deixando a antiga jardineira (ônibus com carroceria aberta) no passado. Uma carcaça desse referido ônibus também jaz no “ferro velho” que visitei.
Carroceria de Mercedez "cara chata" da Viação Brambilla em ferro velho, 2010 (Nikon D70)
Detalhe do Mercedez "cara chata" da Viação Brambilla em ferro velho, 2010 (Nikon D70)
O anos dourados também foram vividos por aqui. O atropelo do passar do tempo, apagou tudo isso bem rápido e as memórias desses fatos ‘jazem’ nos ferros e aços oxidados e retorcidos dos 'ferros velhos'.
Os rebites eram uma das marcas das carrocerias de caminhões e dos ônibus dos anos 50. Eu sempre tentava contá-los na espera da partida do ônibus da rodoviária nos anos 70, época na qual esses antigos “carros” ainda serviam as viações daqui. A contagem era em vão pois, quando estava quase no término, era interrompido pela partida do ônibus ou por minha mãe me puxando para embarcar. O Brambilla do 'ferro velho' tinha todos os rebites. Contei calmamente e descobri: 259 rebites!!! Finalmente os contei todos!!
Traseira do Mercedez da Brambilla com seus rebites aparentes, 2010 (Nikon D70)
Detalhe de caminhão Chevrollet 1958, 2010 (Nikon D70)
Estou ficando velho mesmo...a "roda da história" anda sobre nós que envellecemos e sobre os trabalhadores que fizeram essas máquinas.
Roda do Mercedez "cara chata" dos anos 50 em ferro velho de Marília, 2010 (Nikon D70)